"Há uma hora certa,
no meio da noite,
uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa, no açude, no brejão,
nos olhos d’água, nos grotões fundos... E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir…
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes…
Mas nem todas dormem,
nessa hora de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda... Porque a água dos olhos
nunca tem sono…"
(Guimarães Rosa - O sono das águas)
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