terça-feira, 28 de abril de 2015

A complicada arte de ver

(Rubem Alves)


Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...





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O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.

Asas e Gaiolas...


"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros, porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."

(Rubem Alves)


segunda-feira, 27 de abril de 2015

O amor, a ternura e o cuidado...

(Leonardo Boff)


“O segredo maior para cultivar o amor reside no singelo cuidado da ternura. A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia, levá-la à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela. Tais “banalidades” têm um peso maior que a mais preciosa joia. 

Tudo o que vive tem que ser alimentado. Desta forma, o amor forma com o cuidado um casal inseparável. Se houver divórcio entre eles, ou um ou outro morre de solidão. Amar quem você cuida e cuidar de quem você ama se constituem numa arte."







sábado, 25 de abril de 2015

Luz...


"Se você acende uma luz para alguém,
ela também passa a iluminar o seu caminho..."



quinta-feira, 23 de abril de 2015

Ser do bem...


"Não se deve esperar recompensa por ser bom. Ser do bem já é maravilhoso. Poder deitar a cabeça no travesseiro todas as noites e ter paz... O mal que se vire, que se explique. "

(Jackye Monteiro)








quarta-feira, 22 de abril de 2015

O tempo descomplica...


"De repente, tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem. As opiniões dos outros são realmente dos outros... E mesmo que sejam sobre nós, não têm mais importância. Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza absoluta de nada. E, isso não faz a menor falta. Paramos de julgar, pois, se a vida é uma escola que visa ao nosso aprimoramento, já não existe certo ou errado e sim o papel que cada um escolheu experimentar. Por fim, entendemos que tudo o que importa é ter paz e sossego, tentar viver sem medo, fazer o que alegra o coração e cumprir nossa tarefa com serenidade."

(Autor Desconhecido)


terça-feira, 7 de abril de 2015

"Amar virou coisa de gente corajosa"

(Arnaldo Jabor)

Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micro e transparentes. Com suas danças e poses, cada vez mais siliconadas, corpos esculpidos por cirurgias plásticas, como se fossem ao supermercado e pedissem o corte como se quer, mas... Chegam sozinhas e saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros, analistas, e outros mais que estudaram, estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos. Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes: os novíssimos "personal dancer", incrível. E não é só sexo, não! Se fosse, era resolvido fácil, alguém dúvida? Sexo se encontra nos classificados, nas esquinas, em qualquer lugar, mas apenas sexo. 

Estamos é com carência de passear de mãos dadas... Dar e receber carinho sem, necessariamente, ter que mostrar performances dignas de um atleta olímpico na cama depois... Fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçadinhos, sem se preocuparem com as posições cabalísticas. Coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega. Pode-se fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamo-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso. Algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós.

Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada nos sites de relacionamentos como "Orkut", "Par-Perfeito" e tantos outros. Veja o número de comunidades como "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!", e até a desesperançada "Nasci pra viver sozinho!" unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis. E se olharmos as fotos de antigamente, podemos ter certeza de que não são as mesmas pessoas. Mulheres lindas se plastificando, se mutilando em nome da tal "beleza". Vivemos cada vez mais, retardamos o envelhecimento, e percebemos a cada dia mulheres e homens com cara de bonecas, sem rugas, sorriso preso e cada vez mais sozinhos.

Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas, pelo contrário... Pra chegar a escrever essas palavras é preciso ter a coragem de encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa. Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas admitir isso hoje pode parecer démodê ou brega.

Alô, gente! Se felicidade, amor, e todas essas emoções fazem-nos parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, mas seja feliz e não seja frustrado. "Pague mico", diga o que sente, demonstre amor. Você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta.

Perceba aquela pessoa que passará hoje por você na rua, pois talvez nunca volte a vê-la. Ou talvez a pessoa que nada tem a ver com o que imaginou possa ser a mulher da sua vida. Quem sabe ali esteja a oportunidade de um sorriso a dois? 

Quem disse que ser adulto é ser ranzinza? Um ditado tibetano diz: "Se um problema é grande demais, não pense nele... E se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele?" Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo, assistir desenho animado, rir de bobagens e ou ser um profissional de sucesso que adora rir de si mesmo por ser estabanado. O que realmente não dá é para continuarmos achando que viver é out ou in. Que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo, que temos que querer a nossa mulher 24 horas maquiada e que ela tenha que ter o corpo das frutas tão em moda na TV. Queira do seu lado uma pessoa inteligente.

Todos temos bons e maus momentos... Uma hora ou outra, um dos dois pode querer pular fora... Mas se eu não pedir que fique comigo, posso me arrepender pelo resto da vida. Então por que ter medo de dizer "amo você", "fica comigo"? Não se importe com a opinião dos outros, seja feliz! Antes parecer um bobo para os outros do que infeliz para si mesmo.




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