quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O cansaço mental

(Miriam Subirana)


Graças a nossa poderosa mente pensamos, sonhamos, criamos, projetamos, associamos ideias, desenhamos, planejamos, geramos expectativas, imaginamos e recordamos. O pensamento pode ser benéfico ou nocivo, positivo ou negativo, necessário ou inútil, insípido ou criativo, elevado e sublime ou destruidor e desagregador. Muitos pensamentos são desnecessários. Alguns surgem como tempestades que nos açoitam. Se não administramos bem toda a atividade da nossa mente, o cansaço mental se torna nosso companheiro inseparável.

É uma fadiga que provoca dispersão, preguiça, falta de atenção e de clareza; além disso, diminui nossa capacidade resolutiva. Por outro lado, quando inspirada e motivada, a mente nos revitaliza e gera pensamentos criativos que despertam energia e força. Num estado criativo, os pensamentos são práticos, poéticos e manifestam beleza. A mente está aberta e pode ver o extraordinário no que aparentemente é banal.

Infelizmente, esse estado mental não costuma durar muito. Acabamos por afundar numa atividade mental estéril e esgotante. Cada pessoa gera cerca de 50.000 pensamentos por dia, muitos dos quais repetitivos e mecânicos. Outras vezes dá voltas e mais voltas ao redor de coisas que não podem ser mudadas. São pensamentos normalmente referentes ao passado. Não levam a lugar nenhum e esgotam.

Quando se vive em uma linha de pensamentos desnecessários e debilitantes, faz bem levantar algumas questões que ajudem a desativar esse mecanismo repetitivo e levem a uma reflexão mais produtiva e estimulante. Por exemplo, o que motiva a pensar no que se está pensando? O primeiro passo é encontrar o propósito, porque isso permite perceber a inutilidade desse pensamento e mudar de rumo.

Outra prática aconselhável é tentar não usar em demasia os verbos no condicional, tanto no passado quanto no futuro. Por exemplo: “Se estivesse aí naquele momento, essa desgraça não teria acontecido”. “Se tivesse tido a tempo essa informação, teria vencido o caso.” “Quando tiver o diploma serei mais respeitado pelo chefe.” “Quando mudar, ficarei melhor”. Como o passado já foi, e o futuro ainda está por vir, esse tipo de pensamento não é útil, enfraquece e exaure. É tão importante aprender a transformar como a não criar esses pensamentos sobre temas que não podemos mudar ou não dependem de nós para que mudem. Dessa maneira se mantém mais a concentração e se tem mais clareza para tomar as decisões certas.

Não se trata de deixar a mente em branco, mas sim de gerar pensamentos positivos, criativos, inspiradores, benéficos. Dessa forma se consegue um espaço mental fértil. Pensar positivamente não é negar a realidade, mas ser capaz de ver os problemas e ter a criatividade mental para conseguir soluções sem se obcecar nem se ofuscar. As reflexões positivas fortalecem e revitalizam a mente. Costumam ser pensamentos que se baseiam em valores e em apreciar e agradecer pelo que se é e se tem. Uma mente agradecida é uma mente descansada.

Outro aspecto que esgota é nossa extraordinária capacidade de planejar: reuniões, encontros, ações, lugares, horários... Quando as coisas acontecem em sucessão conforme os planos, as pessoas ficam mais tranquilas que quando os imprevistos atrapalham os planos. Quem se aferra a seu plano deixa de perceber os sinais que a hora ou as pessoas dão e quer que a realidade se amolde a suas ideias, em vez do contrário. Ao forçar, ficamos cansados. Às vezes nosso corpo pede por descanso, mas como o plano era outro, forçamo-nos a cumpri-lo.

Em uma sessão de coaching, uma mulher explicava como se obrigava a executar os planos que fizera e os compromissos marcados, forçando-se a cumprir os horários impostos por outras pessoas importantes para ela. Mesmo ciente de que deveria parar, sua mente a fazia prosseguir. Sem parar nem respirar conscientemente nem ouvir. Estava mentalmente esgotada. Às vezes planejamos algo, mas quando chega a hora sentimos que não é o momento, ou não é o nosso momento. É importante parar por alguns minutos para repensar. Esse intervalo cria um espaço mental para abrir um parêntese, enxergar e decidir com mais clareza.

Às vezes o cansaço mental surge das lutas internas entre o que gostaríamos que fosse e o que é, entre falar e se calar, sair ou ficar, entre as decisões tomadas e o que na realidade é feito. Precisamos incorporar práticas para entender de onde surgem tantos pensamentos estéreis, para ouvir e silenciar os ruídos mentais.

Exercitar a mente com pensamentos criativos revitaliza. É como quando se faz exercício físico. Caminhar, correr, nadar ou jogar tênis nos energiza, e se nos cansamos, sentimos que é um cansaço sadio. Por outro lado, se ficamos em pé meia hora sem nos movermos, terminamos mais cansados do que se tivéssemos passado esse tempo caminhando. Acontece algo parecido com a mente: se ela está “parada”, dando voltas num mesmo assunto, ela se esgota mais que quando avança com pensamentos inspiradores, que abrem novos horizontes.

O que se pode fazer para que nosso pensamento seja mais inspirador e revigorante e combater o cansaço mental? Cultivar o pensamento criativo, reflexivo e claro. Como? Por exemplo, fazendo uma viagem a um ambiente natural e observar. Olhar o horizonte que une mar e céu em uma praia; sentir a umidade do solo ou desfrutar das cores das folhas e dos ruídos da natureza em uma montanha. Assim é mais fácil que a mente se acalme.

São situações que ajudam a conter a atividade mental durante alguns minutos e descansar. Trata-se de visualizar um espaço que ajude a renovar o discernimento.

Em um mundo saturado de informações e conversas que provocam ruído mental, emocional e físico, é necessário cultivar espaços internos de silêncio para ficar centrado. Um silêncio criativo, contemplativo e produtivo. Ou seja, que gere positividade e bem-estar, comunicação e sentido e uma quietude na qual o pensamento transformador é gestado. Ainda que estejamos em um entorno ruidoso, podemos criar pensamentos inspiradores assim como quando estamos rodeados de natureza.

Temos a capacidade de criar as reflexões que queremos. Precisamos utilizá-las com mais frequência. Para isso, deve-se controlar a mente, dirigi-la e manter a atenção centrada. Se alguém fica preso em seus próprios pensamentos, não terá poder sobre eles. Quando, observando-os, consegue-se separar-se deles, abre-se espaço, assume-se o controle e pode-se canalizá-los na direção que se quiser.

Para ter poder sobre algo deve-se ver de certa distância. Ao observar um quadro, se colamos o nariz a ele, não vemos mais do que um pedacinho borrado. Se nos distanciamos, podemos abarcá-lo em sua totalidade. Na prática de meditação aconselha-se simplesmente a observar os pensamentos e deixá-los passar. Chega um momento em que a pessoa se dá conta de que são uma criação mental, um filme, que é possível deixar de criar e de acompanhar. Ao conseguir esse domínio, nos conectamos com um estado de calma e clareza que permite criar os discernimentos de qualidade que queremos. Uma boa meditação revitaliza, nos enche de energia, varre a mente de reflexões desnecessárias e abre espaço para a inovação e a renovação mental.

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Artigo publicado em El País Semanal. Acessado em 09/12/2015.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Sobre a fé...


"É certo que, no bom sentido, a confiança nas próprias forças torna-nos capazes de realizar coisas materiais que não podemos fazer quando duvidamos de nós mesmos. Mas, então, é somente no seu sentido moral que devemos entender estas palavras. As montanhas que a fé transporta são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em uma palavra, que encontramos entre os homens, mesmo quando se trata das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas montanhas que atravancam o caminho dos que trabalham para o progresso da humanidade. A fé robusta confere a perseverança, a energia e os recursos necessários para a vitória sobre os obstáculos, tanto nas pequenas quanto nas grandes coisas. A fé vacilante produz a incerteza, a hesitação, de que se aproveitam os adversários que devemos combater; ela nem sequer procura os meios de vencer, porque não crê na possibilidade de vitória.

Noutra acepção, considera-se fé a confiança que se deposita na realização de determinada coisa, a certeza de atingir um objetivo. Nesse caso, ela confere uma espécie de lucidez, que faz antever pelo pensamento os fins que se têm em vista e os meios de atingi-los, de maneira que aquele que a possui avança, por assim dizer, infalivelmente. Num e outro caso, ela pode fazer que se realizem grandes coisas

A fé e verdadeira é sempre calma. Confere a paciência que sabe esperar, porque estando apoiada na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar ao fim. A fé insegura sente a sua própria fraqueza, e quando estimulada pelo interesse torna-se furiosa e acredita poder suprir a força com a violência. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança, enquanto a violência, pelo contrário, é prova de fraqueza e de falta de confiança em si mesmo.

Necessário guardar-se de confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se alia à humildade. A presunção é menos fé do que orgulho, e o orgulho é, cedo ou tarde, abalado pela decepção e os malogros que lhes são infligidos."
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"Tende, portanto, a verdadeira fé, na plenitude da sua beleza e da sua bondade, na sua pureza e na sua racionalidade. Não aceiteis a fé sem comprovação, essa filha cega da cegueira. Amai a Deus, mas sabei porque o amais. Crede nas suas promessas, mas sabei por que o fazeis. (...) A esperança e a caridade são uma conseqüência da fé. Essas três virtudes formam uma trindade inseparável."






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Evangelho segundo o Espiritismo por Allan Kardec. Textos: 'O poder da fé', e 'Fé, mãe da esperança e da caridade' em Capítulo 19 - A fé que transporta montanhas.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O peso do conhecimento...


"Conhecimento é perigoso. 
Uma vez que conheça algo, não consegue se livrar disso. 
E precisa carregar isso.... 
O tempo todo."

(Samantha Shannon)


"Tudo aquilo que o homem ignora não existe para ele
Por isso, o universo de cada um se resume ao tamanho de seu saber"

terça-feira, 24 de novembro de 2015

A lei do amor...




O Criador atua no mundo através de leis perfeitas, e uma delas é a lei do amor.

A lei do amor tem nuances infinitas, mas uma certamente se manifesta por meio do senso de atenção que desenvolvemos uns pelos outros. Eu percebo você, eu me interesso por sua vida e tudo que diz respeito a você também me importa.

Saímos de dentro da casca do egoísmo avassalador e começamos a viver como comunidade. Não é apenas a minha dor que enxergo, mas a sua também. Não são apenas ou meus problemas que existem, mas os seus igualmente. Não sou apenas eu que tenho direito de ser feliz, mas você também. E o mais curioso e impressionante desta lei é que, cuidando da dor do outro, tratamos também a nossa, no silêncio de nossa intimidade.

É a lei do amor que faz com que sejamos gratificados interiormente pela felicidade toda vez que praticamos a caridade, que nos doamos, que nos importamos com nosso próximo... 
É a lei do amor que nos aproxima uns dos outros, que faz com que juntemos forças, que percebamos que não estamos sozinhos nos embates do dia a dia....
É a lei do amor que nos faz abraçar a maternidade e a paternidade com tanta dedicação, promovendo ao infinito aquelas almas antigas de roupas novas....
É a lei do amor, praticada por todos nós, que virá a ser responsável pela extinção das misérias sociais que ainda nos incomodam tanto.
Ela eliminará preconceitos, reconciliará adversários e será responsável pelo aprimoramento da Humanidade...

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Redação do Momento Espírita com base no cap. XI, item 8, do livro O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, ed. FEB em 24.11.2015.

Deus no sorriso de minha filha...

(Texto de Andrey Cechelero)


Hoje encontrei Deus no sorriso de minha filha. Porém, o gesto espontâneo e luminoso não foi para mim, foi para um estranho, alguém que ela nunca havia visto antes, sentado à mesa ao lado, com o olhar distante e triste.

Pude ver o Criador nos olhos dela. Ela acenou, como se quisesse perguntar: - “Está tudo bem com você?” Em seguida, lhe jogou um beijo, deliberadamente.

Certamente não estava tudo bem... Deus sabia. Tanto sabia que, no mesmo instante – instante mágico – a Divindade amorosa encontrou na mesa mais próxima um sorriso amigo, uma pequena lamparina para acender na vida daquele filho desanimado.

A pessoa não resistiu e também sorriu, e até acenou de volta, com um certo encantamento pela atitude tão pura e doce de criança.

Hoje encontrei Deus no sorriso de minha filha... Mas, o sorriso não foi para mim, foi para a dor do mundo que ainda lateja incômoda por aí. E, sem perceber, aquele sorrir também me fez um pouco mais feliz.

Pensando bem, acho que ele também sorriu para mim...

E agora sorri para você.


© Rachel Liane


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"Deus no sorriso de minha filha", de Andrey Cechelero, do blog O Essencial e o Invisível.





Deus irradia sorrisos.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Nosso arquivo....


"Múltiplos fenômenos foram lendo sua memória e produzindo milhares de pensamentos diários que foram registrados novamente, num ciclo contínuo. E você, sem perceber e sem ninguém o ensinar, aprendeu a entrar na sua memória e, em meio a bilhões de opções, resgatar os verbos, os substantivos, os adjetivos e produzir as cadeias de pensamentos.

Sua mente é insondável, mas talvez você nem perceba. Diariamente, milhares de pensamentos e emoções foram registrados. As experiências com grande volume emocional foram arquivadas privilegiadamente. Desse modo, o medo, carinho, rejeição, correção, apoio foram tecendo a colcha de retalhos de sua memória consciente e inconsciente. 

Cuidar do que você arquiva é acarinhar a sua vida. Você sabe cuidar de si mesmo?"

(Augusto Cury)



terça-feira, 27 de outubro de 2015

Da indiferença...

"Socorro, não estou sentindo nada!
Nem medo, nem calor, nem fogo...
Não vai dar mais pra chorar... Nem pra rir.

Socorro, alguma alma, mesmo que penada...
Me empreste suas penas.
Já não sinto amor, nem dor...
Já não sinto nada.

Socorro, alguém me dê um coração...
Que esse já não bate nem apanha.
Por favor, uma emoção pequena, qualquer coisa...
Qualquer coisa que se sinta.

Tem tantos sentimentos...
Deve ter algum que sirva.
Qualquer coisa que se sinta...

Socorro, alguma rua que me dê sentido!
Em qualquer cruzamento...
Acostamento, encruzilhada.

Socorro, não estou sentindo nada.
Nem medo, nem calor, nem fogo...
Nem vontade de chorar... Nem de rir."

('Socorro' - Arnaldo Antunes)








quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Rotina: "pero sin perder la ternura jamás!"

"Vou sair pra ver o céu, vou me perder entre as estrelas.
Ver de onde nasce o sol, como se guiam os cometas pelo espaço...
E os meus passos nunca mais serão iguais.

Se for mais veloz que a luz, então escapo da tristeza.
Deixo toda a dor pra trás, perdida num planeta abandonado no espaço...
E volto sem olhar pra trás.

(...)

Ele ganhou dinheiro...
Ele assinou contratos...
E comprou um terno...
Trocou o carro...
E desaprendeu a caminhar no céu...
E foi o princípio do fim."

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"Busca Vida" - Os Paralamas do Sucesso


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Como ensinar...

(Rubem Alves)


"Se eu fosse ensinar a uma criança a arte da jardinagem, não começaria com as lições das pás, enxadas e tesouras de podar. Eu a levaria a passear por parques e jardins, mostraria flores e árvores, falaria sobre suas maravilhosas simetrias e perfumes; a levaria a uma livraria para que ela visse, nos livros de arte, jardins de outras partes do mundo.

Aí, seduzida pela beleza dos jardins, ela me pediria para ensinar-lhe as lições das pás, enxadas e tesouras de podar...

Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe falaria sobre os instrumentos que fazem a música.

Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical.

Se fosse ensinar a uma criança a arte da leitura, não começaria com as letras e as sílabas. Simplesmente leria as estórias mais fascinantes que a fariam entrar no mundo encantado da fantasia.

Aí então, com inveja dos meus poderes mágicos, ela desejaria que eu lhe ensinasse o segredo que transforma letras e sílabas em estórias..."

***

"Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos."

***




terça-feira, 29 de setembro de 2015

Primavera


"Há uma primavera em cada vida: 
É preciso cantá-la assim, florida... 
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada... 
Que seja a minha noite uma alvorada! 
Que me saiba perder pra me encontrar..."

(Florbela Espanca in "Charneca em Flor")


Fotografia de Regina Souza

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Qual o sentido de tudo isso? (José Mujica)

Boa reflexão para tempos de dificuldades...

[Depoimento de José Mujica - ex presidente do Uruguai.]

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Breve depoimento...Vale a pena!Bom dia! ☀ ______________________________LEVE a vida LEVE:Blog:...
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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A família e o perdão...


"Não existe família perfeita. Não temos pais perfeitos, não somos perfeitos, não nos casamos com uma pessoa perfeita nem temos filhos perfeitos. Temos queixas uns dos outros. Decepcionamos uns aos outros. Por isso, não há casamento saudável nem família saudável sem o exercício do perdão. O perdão é vital para nossa saúde emocional e sobrevivência espiritual. Sem perdão a família se torna uma arena de conflitos e um reduto de mágoas.

Sem perdão a família adoece. O perdão é a assepsia da alma, a faxina da mente e a alforria do coração. Quem não perdoa não tem paz na alma nem comunhão com Deus. A mágoa é um veneno que intoxica e mata. Guardar mágoa no coração é um gesto autodestrutivo. É autofagia. Quem não perdoa adoece física, emocional e espiritualmente.

É por isso que a família precisa ser lugar de vida e não de morte; território de cura e não de adoecimento; palco de perdão e não de culpa. O perdão traz alegria onde a mágoa produziu tristeza; cura, onde a mágoa causou doença."

(Papa Francisco)


terça-feira, 11 de agosto de 2015

Sobre a fé...

(Rubem Alves)

Havia certa vez um homem que dizia o nome de Deus. Quando o coração lhe doía por uma criança que chorava, ou por um pobre que mendigava, ele andava até a floresta, acendia o fogo, entoava canções e dizia as palavras. E Deus o ouvia... 

O tempo passou. Voltou à mesma floresta. Mas não carregava fogo nas mãos. Só lhe restou cantar as canções e dizer as palavras. E Deus o atendeu ainda assim... 

Um tempo mais longo se foi. Sem fogo nas mãos, sem força nas pernas, não alcançou a floresta. Mas do seu quarto saíram as mesmas canções e as mesmas palavras. E Deus lhe disse que sim... 

Chegou a velhice. Nem floresta nem fogo ou canções. Restaram as palavras. E o mesmo milagre ocorreu... 

Por fim, sem fogo ou floresta, sem canções ou palavras. Só mesmo o infinito desejo e o silêncio: e Deus atendeu. 



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"E Deus atendeu": texto retirado do livro Do universo à jabuticaba, de Rubem Alves.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

As crianças estão olhando vocês...


"Lembrem-se de que as crianças estão olhando vocês. A primeira e principal maneira de ensinar alguém é pelo exemplo. Tratem-se com amor e respeito se esperam que seus filhos façam o mesmo. Vocês são o espelho em que as crianças vêem refletido o mundo externo, e devem demonstrar as qualidades e princípios que gostariam que as norteassem. É confuso para os filhos quando os pais dizem uma coisa e agem de maneira diferente. Depois de algum tempo, as crianças perdem a confiança neles."



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PRAAGH, James van. Em Busca da espiritualidade. Rio de Janeiro: Sextante, 1999.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Banalidades eternas...

(Carpinejar)


Você esqueceu o tamanho de sua vida? Largue o Facebook e sua linha cronológica. Apague o celular e o laptop, desligue-se da virtualidade e das imagens editadas e com filtro.

Vá até a garagem ou o quartinho ou o alto de um armário ou debaixo de sua cama, onde esconde as tralhas de seu passado físico. O passado de papel e de objetos, o passado de fotos, canetas coloridas e medalhas de latão. Tem que enfrentar o trabalho de abrir caixas fechadas, romper a fita adesiva com estilete e lamentar o elástico das pastas estourando.

Mexa nos cadernos da escola, acompanhe a mudança de sua letra, o quanto era caprichada no Ensino Fundamental e ganha contornos de euforia, rebeldia e pressa. Começa emendada e submissa, em seguida vira separada e caixa alta, sem respeitar mais nada, nem pai, nem mãe, muito menos vírgula. Duvido que não se emocione. 

Soltará uma gargalhada de saudade ao reencontrar o rabisco de algum colega no forro da capa dura. Como existia valor naqueles recados de amizade eterna vencendo o nosso tédio nos dois períodos de matemática na segunda-feira de manhã! Ninguém merecia despertar fazendo cálculos. 

Lembrará que já foi muito amado. Lembrará as provas difíceis que enfrentou afixando fórmulas pelas paredes do quarto. Achará guardanapos de bares, figurinhas avulsas de álbuns, letras de canções em inglês traduzidas grosseiramente e sinopses de filmes. 

Observará o mundo em miniatura com atenção extrema, respirando devagar, buscando reconstituir o tempo de suas escolhas e o ineditismo de suas descobertas. Vários rostos dedilhados serão novamente atuais. Concluirá, estranhamente, que nenhuma lembrança morre na data que aconteceu. 

É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, as suas opiniões mudando, os gostos se transformando radicalmente, que nada é definitivo e tudo é eterno.

Não perceberá que está há mais de quatro horas sentado no chão e revirando coisas antigas. Não viu o tempo passar. A gente nunca vê o tempo passar. Mas é ele que nos olha e nos guarda.

***


"É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, 
as suas opiniões mudando, 
os gostos se transformando radicalmente... 
Nada é definitivo e tudo é eterno."






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Trechos do texto: "Banalidades Eternas"
Publicado na íntegra no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 21/07/2015, Edição N°18233

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Amigo é casa... (Feliz Dia do Amigo!)




Amigo é feito casa que se faz aos poucos, 
e com paciência pra durar pra sempre. 
Mas é preciso ter muito tijolo e terra, 
preparar reboco, construir tramelas... 

Usar a sapiência de um João-de-barro 
que constrói com arte a sua residência... 
Há que o alicerce seja muito resistente 
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger ...

E há que fincar muito jequitibá 
e vigas de jatobá... 
E adubar o jardim, e plantar muita flor, 
toiceiras de resedás...

Não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar 
que os cabelos brancos vão surgindo 
que nem mato na roceira que mal dá pra capinar...

E há que ver os pés de manacá cheinhos de sabiás, 
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis choro de imaginar! 

Pra festa da cumeeira, não faltem os violões! 
Muito milho ardendo na fogueira 
e quentão farto em gengibre 
aquecendo os corações...

A casa é amizade construída aos poucos 
e que a gente quer com beira e tribeira... 
Com gelosia feita de matéria rara 
e altas platibandas, com portão bem largo... 
Que é pra se entrar sorrindo nas horas incertas,
sem fazer alarde, sem causar transtorno. 
Amigo que é amigo, quando quer estar presente, 
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber. 

Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar, 
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer...
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha 
e oferece lugar pra dormir e comer...

Amigo que é amigo não puxa tapete; 
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem...
Quando não tem, finge que tem, 
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão...

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Composição: Capiba / Hermínio Bello De Carvalho
Voz: Lenine e Zé Renato










segunda-feira, 13 de julho de 2015

Não desista...


"Não coloque um ponto final nas suas esperanças. Ainda há muito o que fazer, ainda há muito o que plantar, e o que amar nessa vida. Ao invés de ficar parado no que você fez de errado, olhe para frente, e veja o que ainda pode ser feito... A vida ainda não terminou. E já dizia o poeta que 'os sonhos não envelhecem'. Vá em frente. Sorriso no rosto e firmeza nas decisões. Deus resolveu reformar o mundo e escolheu o seu coração para iniciar a reforma. Isso prova que Ele ainda acredita em você."

(Padre Fábio de Melo)







quarta-feira, 8 de julho de 2015

Todos podemos contribuir para um mundo melhor...


Todos podemos contribuir para um mundo melhor... :)____________________________LEVE a vida LEVE:Blog:...
Posted by LEVE a vida LEVE on Quarta, 8 de julho de 2015

terça-feira, 7 de julho de 2015

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Planejamento

(Rubem Alves)

Ele chegou na hora certa. Aluno da Unicamp, me pedira uma entrevista. Eu não sabia o que ele queria saber de mim. Assentados, ele com prancheta e caneta na mão fez a grande pergunta: 

_Eu queria saber como foi que o senhor planejou a sua vida para chegar aonde chegou.... 

Compreendi imediatamente. Ele gostava de mim. Me admirava. Queria ser como eu. E queria que eu lhe revelasse o segredo, o mapa... Fiquei triste por ter de desapontá-lo. Minha resposta, absolutamente verdadeira, foi: 

_Eu estou onde estou porque tudo que planejei deu errado...





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Texto retirado do livro: Do universo à jabuticaba, de Rubem Alves.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Progresso...

(Rubem Alves)




O menino moderno, familiarizado com o computador, ficou curioso sobre como eram as coisas no trabalho do seu pai no tempo em que não havia computadores. O pai, entusiasmado com a súbita curiosidade do filho, pôs-se a campo para encontrar sua velha Olivetti portátil, amante esquecida, abandonada – e ele nem sabia ao certo onde ela estava. 

Depois de muito procurar, encontrou-a dentro de uma mala velha cheia de tranqueiras. Tirou-a da sepultura, limpou-a, conferiu as teclas e alavancas, e também as fitas metade preta e metade vermelha, colocando-a então de novo no mesmíssimo lugar sobre a mesa onde vezes sem conta eles estiveram juntos. 

_Como é que funciona, pai? – o menino perguntou. 

_É assim que funciona..., respondeu o pai. 

A seguir, colocou uma folha de papel sulfite no rolo, ajustou as margens e começou a “daquitilografar” (era assim que o meu pai falava) umas frases soltas. Ao ver a máquina em ação, o menino fez um “oh” de espanto: 

_Que máquina mais adiantada, diferente dos computadores. É só digitar as letras que o texto sai impresso...

O que me fez lembrar um texto divertidíssimo de Cortázar que se chama, se não me engano, “A história das invenções”. Só que tudo acontece não de trás para frente mas da frente para trás. 

A história começa num voo de supersônico de Nova York a Paris. Três horas. Aí os homens, inteligentes, pensaram que o prazer da viagem poderia ser aumentado se os aviões, em vez de voarem a uma velocidade acima da velocidade do som e a uma altura de quinze quilômetros, passassem a voar a uma velocidade de 400 quilômetros por hora a uma altura de três quilômetros. Assim poderiam ficar muito mais tempo longe do trabalho e ver os rios, bosques e vilas... 

E assim vai acontecendo a história das invenções, sempre ao contrário e sempre melhor... Até que, depois de muito progresso, a invenção dos navios a vela não poluentes e das bicicletas que fazem bem ao coração, os humanos inventam a mais fantástica de todas as invenções: eles inventam o “andar a pé”...



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Texto retirado do livro: Do universo à jabuticaba, de Rubem Alves.

sábado, 20 de junho de 2015

Palavras falsas...



"Todas as palavras, tomadas literalmente, são falsas. 
A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. 

Prestar atenção ao que não foi dito, ler entre as linhas... 

A atenção flutua: 
Toca as palavras sem cair em suas armadilhas. 
Sem ser por elas enfeitiçada. 

Cuidado com a sedução da clareza! 
Cuidado com o engano do óbvio."


(Rubem Alves - Do universo à jabuticaba)









quarta-feira, 17 de junho de 2015

Vivência...



"O saber não é nativo. 
Faz-se da experiência, que só amanhece para nós 
com a madureza dos anos."

(Rui Barbosa)







sexta-feira, 5 de junho de 2015

Já não vivo, só penso...


"Já não vivo, só penso.
E o pensamento é uma teia confusa, complicada,
uma renda sutil feita de nada:
De nuvens, de crepúsculos, de vento.

Tudo é silêncio. O arco-íris é cinzento,
e eu cada vez mais vaga, mais alheada.
Percorro o céu e a terra aqui sentada,
sem uma voz, um olhar, um movimento.

Terei morrido já sem o saber?
Seria bom mas não, não pode ser,
ainda me sinto presa por mil laços,

ainda sinto na pele o sol e a lua,
ouço a chuva cair na minha rua,
e a vida ainda me aperta nos seus braços. "


(Fernanda de Castro, in "E Eu, Saudosa, Saudosa")




quinta-feira, 4 de junho de 2015

Cegueira

(Rubem Alves)


São as crianças que veem as coisas – porque elas as veem sempre pela primeira vez com espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto vê-las, já não as veem mais. As coisas – as mais maravilhosas – ficam banais. 

Ser adulto é ser cego.




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Trecho do texto "Cegueira", publicado no livro "Do universo à jabuticaba" de Rubem Alves)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Psicanálise

(Rubem Alves)

Conversa na recepção: 

Conversa vai, conversa vem, digo que sou psicanalista. A moça entra em pânico, temerosa de que eu tivesse poderes para ver a sua alma.

“Eu já fiz terapia”, ela disse. “Mas agora estou resolvida.”

Pergunto: “Quando se deu o óbito?”.

Ela me olha sem entender. Óbito?

Explico: as únicas pessoas resolvidas que conheço estão no cemitério.




“Não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma 
sociedade profundamente doente.” 
[Krishnamurti]


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(Texto do livro "Do universo à jabuticaba", de Rubem Alves.)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Se os tubarões fossem homens...

(Bertold Brecht)


Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?
Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar.






segunda-feira, 18 de maio de 2015

Novo slogan político...

(Rubem Alves)

Alguém escreveu num muro branco da Universidade do Porto, em Portugal, a sua exigência política: “Queremos mentiras novas!”. Quem o escreveu sabia das coisas. Sabia que seria inútil pedir o impossível: “Basta de mentiras!”. 

Na política, apenas as mentiras são possíveis. Mas ele já estava cansado das mentiras velhas, batidas, como piadas cujo fim já se conhece, que diariamente aparecem nos jornais. Mentiras velhas são um desrespeito à inteligência daqueles a quem são dirigidas. 

Que mintam, mas que respeitem a minha inteligência! Mintam usando a imaginação! Por isso escrevia, em nome da inteligência, do possível e do humor: “Queremos mentiras novas!”.




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Rubem Alves em Ostra feliz não faz pérola. Página 17.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

O Luxo da Marmita

(Fabrício Carpinejar)



Trabalho em casa. Escritor acorda, pega o casaco no cabide e escreve realezas com roupa de mendigo. Quanto pior o traje, melhor o texto – é a minha superstição.

Como dificilmente passeio os olhos para fora da residência, com exceção das palestras e gravações, nunca tive marmita.

Nunca tive uma marmita preparada para mim. Nunca carreguei uma sacolinha com comida para o serviço. Nunca aticei os passageiros do ônibus com o cheiro perfumado de minha sacola. Nunca provoquei inveja dos colegas com um feijão tropeiro. Nunca disputei as prateleiras coletivas da geladeira. Nunca me gabei de ter acesso a receitas de família.

A marmita é um presente disfarçado de refeição. Alguém que lhe sabe de cor separa exatamente numa bandeja a porção que você costuma comer.

É um buquê gastronômico, escolher o que se tem nas panelas para florescer o apetite. Antecipar as bocas do fogão um dia antes para que tudo fique encaminhado de manhãzinha. Com voz dormida, acordar cedo para surpreender o desejo de nossa companhia.

Há maior prova de amor do que acertar a quantidade e o jeito de misturar de nossa esposa ou marido?

Trata-se de altíssimo conhecimento de causa montar os andares e distribuir os alimentos em diminuto espaço, a ponto de não faltar e também não sobrar.

Chego a ver a cena: três colheres de arroz, massa ao lado, dois pedaços de carne de panela e a verdurabem no cantinho. Não esquecer o bolinho seco, sem tocar em nenhum molho.

A marmita atesta que o casal se estuda a ponto de se revezar nas tarefas da vida. Se um desiste, o segundo pega a bandeira e puxa o ânimo. São continuações de horários e fôlegos, extensões de uma mesma persistência.

Não expõem frases apaixonadas e derramadas, o “eu te amo” talvez seja raro. Eles se admiram silenciosamente ajudando a dividir o fardo, o cansaço, o estresse, a rotina.

A gentileza é feita da discrição. Quando se declaram, enfatizam a questão profissional:

- Meu marido é trabalhador!

- Minha mulher é batalhadora!

O romantismo está escondido na entrega para sustentar a família. Não se perdem em caprichos, cobranças e demonstrações ostensivas de ternura.

A marmita é mais do que preparar o café e levar numa bandeja para a cama. É preparar um dia inteiro e levar a mesa da cozinha ao trabalho.

O equivalente a avisar, com o guardanapo branco do gesto: você não estará comendo sozinho, estarei sempre ao seu lado.



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Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira, 13/05/2015.

terça-feira, 28 de abril de 2015

A complicada arte de ver

(Rubem Alves)


Ela entrou, deitou-se no divã e disse: "Acho que estou ficando louca". Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. "Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda. Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse: "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: 'Rosa de água com escamas de cristal'. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica: o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou: "A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê". Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos, sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado. Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão, dava muito trabalho para a sua vassoura. Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra. A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem. "Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho". Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos se abriram".
Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram". Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção": "De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia. Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados. Se os olhos estão na caixa de ferramentas, eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática. Com eles vemos objetos, sinais luminosos, nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação. O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário. Mas é muito pobre. Os olhos não gozam... Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos, eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos. Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças. Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras. Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho, Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança, eternamente: "A mim, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. Como o Jesus menino do poema de Caeiro. Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...





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O texto acima foi extraído da seção "Sinapse", jornal "Folha de S.Paulo", versão on line, publicado em 26/10/2004.

Asas e Gaiolas...


"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros, porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado."

(Rubem Alves)


segunda-feira, 27 de abril de 2015

O amor, a ternura e o cuidado...

(Leonardo Boff)


“O segredo maior para cultivar o amor reside no singelo cuidado da ternura. A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia, levá-la à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela. Tais “banalidades” têm um peso maior que a mais preciosa joia. 

Tudo o que vive tem que ser alimentado. Desta forma, o amor forma com o cuidado um casal inseparável. Se houver divórcio entre eles, ou um ou outro morre de solidão. Amar quem você cuida e cuidar de quem você ama se constituem numa arte."







sábado, 25 de abril de 2015

Luz...


"Se você acende uma luz para alguém,
ela também passa a iluminar o seu caminho..."



quinta-feira, 23 de abril de 2015

Ser do bem...


"Não se deve esperar recompensa por ser bom. Ser do bem já é maravilhoso. Poder deitar a cabeça no travesseiro todas as noites e ter paz... O mal que se vire, que se explique. "

(Jackye Monteiro)








quarta-feira, 22 de abril de 2015

O tempo descomplica...


"De repente, tudo vai ficando tão simples que assusta. A gente vai perdendo as necessidades, vai reduzindo a bagagem. As opiniões dos outros são realmente dos outros... E mesmo que sejam sobre nós, não têm mais importância. Vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza absoluta de nada. E, isso não faz a menor falta. Paramos de julgar, pois, se a vida é uma escola que visa ao nosso aprimoramento, já não existe certo ou errado e sim o papel que cada um escolheu experimentar. Por fim, entendemos que tudo o que importa é ter paz e sossego, tentar viver sem medo, fazer o que alegra o coração e cumprir nossa tarefa com serenidade."

(Autor Desconhecido)


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