quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O cansaço mental

(Miriam Subirana)


Graças a nossa poderosa mente pensamos, sonhamos, criamos, projetamos, associamos ideias, desenhamos, planejamos, geramos expectativas, imaginamos e recordamos. O pensamento pode ser benéfico ou nocivo, positivo ou negativo, necessário ou inútil, insípido ou criativo, elevado e sublime ou destruidor e desagregador. Muitos pensamentos são desnecessários. Alguns surgem como tempestades que nos açoitam. Se não administramos bem toda a atividade da nossa mente, o cansaço mental se torna nosso companheiro inseparável.

É uma fadiga que provoca dispersão, preguiça, falta de atenção e de clareza; além disso, diminui nossa capacidade resolutiva. Por outro lado, quando inspirada e motivada, a mente nos revitaliza e gera pensamentos criativos que despertam energia e força. Num estado criativo, os pensamentos são práticos, poéticos e manifestam beleza. A mente está aberta e pode ver o extraordinário no que aparentemente é banal.

Infelizmente, esse estado mental não costuma durar muito. Acabamos por afundar numa atividade mental estéril e esgotante. Cada pessoa gera cerca de 50.000 pensamentos por dia, muitos dos quais repetitivos e mecânicos. Outras vezes dá voltas e mais voltas ao redor de coisas que não podem ser mudadas. São pensamentos normalmente referentes ao passado. Não levam a lugar nenhum e esgotam.

Quando se vive em uma linha de pensamentos desnecessários e debilitantes, faz bem levantar algumas questões que ajudem a desativar esse mecanismo repetitivo e levem a uma reflexão mais produtiva e estimulante. Por exemplo, o que motiva a pensar no que se está pensando? O primeiro passo é encontrar o propósito, porque isso permite perceber a inutilidade desse pensamento e mudar de rumo.

Outra prática aconselhável é tentar não usar em demasia os verbos no condicional, tanto no passado quanto no futuro. Por exemplo: “Se estivesse aí naquele momento, essa desgraça não teria acontecido”. “Se tivesse tido a tempo essa informação, teria vencido o caso.” “Quando tiver o diploma serei mais respeitado pelo chefe.” “Quando mudar, ficarei melhor”. Como o passado já foi, e o futuro ainda está por vir, esse tipo de pensamento não é útil, enfraquece e exaure. É tão importante aprender a transformar como a não criar esses pensamentos sobre temas que não podemos mudar ou não dependem de nós para que mudem. Dessa maneira se mantém mais a concentração e se tem mais clareza para tomar as decisões certas.

Não se trata de deixar a mente em branco, mas sim de gerar pensamentos positivos, criativos, inspiradores, benéficos. Dessa forma se consegue um espaço mental fértil. Pensar positivamente não é negar a realidade, mas ser capaz de ver os problemas e ter a criatividade mental para conseguir soluções sem se obcecar nem se ofuscar. As reflexões positivas fortalecem e revitalizam a mente. Costumam ser pensamentos que se baseiam em valores e em apreciar e agradecer pelo que se é e se tem. Uma mente agradecida é uma mente descansada.

Outro aspecto que esgota é nossa extraordinária capacidade de planejar: reuniões, encontros, ações, lugares, horários... Quando as coisas acontecem em sucessão conforme os planos, as pessoas ficam mais tranquilas que quando os imprevistos atrapalham os planos. Quem se aferra a seu plano deixa de perceber os sinais que a hora ou as pessoas dão e quer que a realidade se amolde a suas ideias, em vez do contrário. Ao forçar, ficamos cansados. Às vezes nosso corpo pede por descanso, mas como o plano era outro, forçamo-nos a cumpri-lo.

Em uma sessão de coaching, uma mulher explicava como se obrigava a executar os planos que fizera e os compromissos marcados, forçando-se a cumprir os horários impostos por outras pessoas importantes para ela. Mesmo ciente de que deveria parar, sua mente a fazia prosseguir. Sem parar nem respirar conscientemente nem ouvir. Estava mentalmente esgotada. Às vezes planejamos algo, mas quando chega a hora sentimos que não é o momento, ou não é o nosso momento. É importante parar por alguns minutos para repensar. Esse intervalo cria um espaço mental para abrir um parêntese, enxergar e decidir com mais clareza.

Às vezes o cansaço mental surge das lutas internas entre o que gostaríamos que fosse e o que é, entre falar e se calar, sair ou ficar, entre as decisões tomadas e o que na realidade é feito. Precisamos incorporar práticas para entender de onde surgem tantos pensamentos estéreis, para ouvir e silenciar os ruídos mentais.

Exercitar a mente com pensamentos criativos revitaliza. É como quando se faz exercício físico. Caminhar, correr, nadar ou jogar tênis nos energiza, e se nos cansamos, sentimos que é um cansaço sadio. Por outro lado, se ficamos em pé meia hora sem nos movermos, terminamos mais cansados do que se tivéssemos passado esse tempo caminhando. Acontece algo parecido com a mente: se ela está “parada”, dando voltas num mesmo assunto, ela se esgota mais que quando avança com pensamentos inspiradores, que abrem novos horizontes.

O que se pode fazer para que nosso pensamento seja mais inspirador e revigorante e combater o cansaço mental? Cultivar o pensamento criativo, reflexivo e claro. Como? Por exemplo, fazendo uma viagem a um ambiente natural e observar. Olhar o horizonte que une mar e céu em uma praia; sentir a umidade do solo ou desfrutar das cores das folhas e dos ruídos da natureza em uma montanha. Assim é mais fácil que a mente se acalme.

São situações que ajudam a conter a atividade mental durante alguns minutos e descansar. Trata-se de visualizar um espaço que ajude a renovar o discernimento.

Em um mundo saturado de informações e conversas que provocam ruído mental, emocional e físico, é necessário cultivar espaços internos de silêncio para ficar centrado. Um silêncio criativo, contemplativo e produtivo. Ou seja, que gere positividade e bem-estar, comunicação e sentido e uma quietude na qual o pensamento transformador é gestado. Ainda que estejamos em um entorno ruidoso, podemos criar pensamentos inspiradores assim como quando estamos rodeados de natureza.

Temos a capacidade de criar as reflexões que queremos. Precisamos utilizá-las com mais frequência. Para isso, deve-se controlar a mente, dirigi-la e manter a atenção centrada. Se alguém fica preso em seus próprios pensamentos, não terá poder sobre eles. Quando, observando-os, consegue-se separar-se deles, abre-se espaço, assume-se o controle e pode-se canalizá-los na direção que se quiser.

Para ter poder sobre algo deve-se ver de certa distância. Ao observar um quadro, se colamos o nariz a ele, não vemos mais do que um pedacinho borrado. Se nos distanciamos, podemos abarcá-lo em sua totalidade. Na prática de meditação aconselha-se simplesmente a observar os pensamentos e deixá-los passar. Chega um momento em que a pessoa se dá conta de que são uma criação mental, um filme, que é possível deixar de criar e de acompanhar. Ao conseguir esse domínio, nos conectamos com um estado de calma e clareza que permite criar os discernimentos de qualidade que queremos. Uma boa meditação revitaliza, nos enche de energia, varre a mente de reflexões desnecessárias e abre espaço para a inovação e a renovação mental.

________________

Artigo publicado em El País Semanal. Acessado em 09/12/2015.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Sobre a fé...


"É certo que, no bom sentido, a confiança nas próprias forças torna-nos capazes de realizar coisas materiais que não podemos fazer quando duvidamos de nós mesmos. Mas, então, é somente no seu sentido moral que devemos entender estas palavras. As montanhas que a fé transporta são as dificuldades, as resistências, a má vontade, em uma palavra, que encontramos entre os homens, mesmo quando se trata das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, o interesse material, o egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas montanhas que atravancam o caminho dos que trabalham para o progresso da humanidade. A fé robusta confere a perseverança, a energia e os recursos necessários para a vitória sobre os obstáculos, tanto nas pequenas quanto nas grandes coisas. A fé vacilante produz a incerteza, a hesitação, de que se aproveitam os adversários que devemos combater; ela nem sequer procura os meios de vencer, porque não crê na possibilidade de vitória.

Noutra acepção, considera-se fé a confiança que se deposita na realização de determinada coisa, a certeza de atingir um objetivo. Nesse caso, ela confere uma espécie de lucidez, que faz antever pelo pensamento os fins que se têm em vista e os meios de atingi-los, de maneira que aquele que a possui avança, por assim dizer, infalivelmente. Num e outro caso, ela pode fazer que se realizem grandes coisas

A fé e verdadeira é sempre calma. Confere a paciência que sabe esperar, porque estando apoiada na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar ao fim. A fé insegura sente a sua própria fraqueza, e quando estimulada pelo interesse torna-se furiosa e acredita poder suprir a força com a violência. A calma na luta é sempre um sinal de força e de confiança, enquanto a violência, pelo contrário, é prova de fraqueza e de falta de confiança em si mesmo.

Necessário guardar-se de confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se alia à humildade. A presunção é menos fé do que orgulho, e o orgulho é, cedo ou tarde, abalado pela decepção e os malogros que lhes são infligidos."
***

"Tende, portanto, a verdadeira fé, na plenitude da sua beleza e da sua bondade, na sua pureza e na sua racionalidade. Não aceiteis a fé sem comprovação, essa filha cega da cegueira. Amai a Deus, mas sabei porque o amais. Crede nas suas promessas, mas sabei por que o fazeis. (...) A esperança e a caridade são uma conseqüência da fé. Essas três virtudes formam uma trindade inseparável."






_____________
Evangelho segundo o Espiritismo por Allan Kardec. Textos: 'O poder da fé', e 'Fé, mãe da esperança e da caridade' em Capítulo 19 - A fé que transporta montanhas.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...