segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Quando eu preciso ser Outros...


A maior riqueza do homem é sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.

Palavras que me aceitam como sou
— eu não aceito.

Não aguento ser apenas
um sujeito que abre portas, 
que puxa válvulas, 
que olha o relógio, 
que compra pão às 6 da tarde, 
que vai lá fora, 
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.

Perdoai. 
Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem
usando borboletas. 

(Manoel de Barros)




sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Finitude x Plenitude...


"Tu tens um medo:
Acabar.

Não vês que acabas todo o dia...
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.

Que te renovas todo o dia...
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.

Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas...
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno!"

(Cecília Meireles)



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Cacimba de mágoa: é o mar virando lama...




"O sertão vai virar mar... 
É o mar virando lama. 
Gosto amargo do Rio Doce 
De Regência a Mariana... 

Mariana, Marina, Maria, 
Marcia, Mercedes, Marília... 
Quantas famílias com sede! 
Quantas panelas vazias! 
Quantos pescadores sem redes e sem canoas! 
Quantas pessoas sofrendo! 
Quantas pessoas... 

Quantas pessoas sem rumo, 
Como canoas sem remos... 
Ou pescadores sem linhas e sem anzóis. 
Quantas pessoas sem sorte, 
Quantas pessoas com fome, 
Quantas pessoas sem nome, 
Quantas pessoas sem voz. 

Adriano, Diego, Pedro, Marcelo, José... 
Aquele corpo é de quem? 
Aquele corpo, quem é? 
É do Tião, é do Leo, 
É do João, é de quem? 
É mais um João ninguém... 
É mais um morto qualquer. 

Morreu debaixo da lama, 
Morreu debaixo do trem. 
Ele era filho de alguém? 
E tinha filho mulher? 
Isso ninguém quer saber. 
Com isso ninguém se importa. 
Parece que essas pessoas já nascem mortas! 

E pra quem olha de longe, 
Passando sempre por cima, 
Parece que essas pessoas não tem valor. 
São tão pequenas e fracas, 
Deitando em camas e macas, 
Sobrevivendo, sentindo tristeza e dor... 

Quem nunca viu a sorte 
Pensa que ela não vem, 
E enche a cacimba de mágoa... 
Hoje, me abraça forte... 
Corta esse mal, planta o bem, 
Transforma lágrima em água!

O sertão vai virar mar! 
É o mar virando lama... 
Gosto amargo do Rio Doce 
De Regência a Mariana.

Quem olha a cima do alto, 
Ou na TV, em segundos, 
As vezes vê todo mundo... 
Mas não enxerga ninguém. 

E não enxerga a nobreza 
De quem tem pouco, mas ama... 
De quem defende o que ama 
E valoriza o que tem. 

Antonio, Kátia, Rodrigo, 
Mauricio, Flávio e Taís... 
Trabalham feitos formigas, 
Tem uma vida feliz. 
Sabem o valor da amizade e da pureza, 
Da natureza e da agua, fonte da vida. 

Conhece os bichos e plantas, 
E como o galo que canta, 
Levantam todos os dias 
Com energia e com a cabeça erguida... 
Mas vem a lama e o descaso, sem cerimônia, 
Envenenado o futuro e o presente, 
Como se faz desde sempre na Amazônia, 
Nas nossas praias e rios, impunemente.

Mas o veneno e o atrasado 
Disfarçado de progresso, 
Que apodrece a nossa fonte, a nossa voz, 
Não nos faz tirar os olhos do horizonte, 
Nem polui a esperança que nasce dentro de nós. 

É quando a lágrima no rosto a gente enxuga, 
E segue em frente, persistente, 
Como as tartarugas e as baleias,
E nessa lama nasce a flor 
Que a gente rega com amor... 
Que corre dentro do sangue nas nossas veias. 

Quem nunca viu a sorte 
Pensa que ela não vem, 
E enche a cacimba de mágoa... 
Hoje, me abraça forte... 
Corta esse mal, planta o bem, 
Transforma lágrima em água! 

O sertão vai virar mar! 
É o mar virando lama... 
Gosto amargo do Rio Doce 
De Regência a Mariana...

O sertão virando mar... 
O mar virando lama... 
Da lama nasce a flor! 
Muita força, muita sorte, 
Mais justiça, mais amor!


(Falamansa & Gabriel, O Pensador)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Dia a dia...


...passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser.
(Clarice Lispector)



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