domingo, 30 de março de 2014

A cólera


O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar (...). Pesquisai a origem desses acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. (...) Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar. 

Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito que deve a si mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de piedade. 

Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Outra consideração, sobretudo, devera contê-lo: a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida! 

Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. (Bordéus, 1863.)

Segundo a ideia falsíssima de que não lhe é possível reformar a sua própria natureza, o homem se julga dispensado de empregar esforços para se corrigir dos defeitos (...). É assim, por exemplo, que o indivíduo propenso a encolerizar-se quase sempre se desculpa com o seu temperamento (...).

Indubitavelmente, temperamentos há que se prestam mais que outros a atos violentos (...). Não acrediteis, porém, que aí resida a causa primordial da cólera. Um espírito pacífico, ainda que num corpo bilioso, será sempre pacífico, e que um espírito violento, mesmo num corpo linfático, não será brando (...). Não dispondo de um organismo próprio a lhe secundar a violência, a cólera tornar-se-á concentrada, enquanto no outro caso será expansiva.

O corpo não dá cólera àquele que não na tem, do mesmo modo que não dá os outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios são inerentes ao espírito. (...) O homem não se conserva vicioso, senão porque quer permanecer vicioso; (...) aquele que queira corrigir-se sempre o pode. De outro modo, não existiria para o homem a lei do progresso. (Paris, 1863.)




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KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 131. ed. Brasília: FEB, 2013. Cap. IX, item 9, 10, p. 138-140.

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