quarta-feira, 13 de maio de 2015

O Luxo da Marmita

(Fabrício Carpinejar)



Trabalho em casa. Escritor acorda, pega o casaco no cabide e escreve realezas com roupa de mendigo. Quanto pior o traje, melhor o texto – é a minha superstição.

Como dificilmente passeio os olhos para fora da residência, com exceção das palestras e gravações, nunca tive marmita.

Nunca tive uma marmita preparada para mim. Nunca carreguei uma sacolinha com comida para o serviço. Nunca aticei os passageiros do ônibus com o cheiro perfumado de minha sacola. Nunca provoquei inveja dos colegas com um feijão tropeiro. Nunca disputei as prateleiras coletivas da geladeira. Nunca me gabei de ter acesso a receitas de família.

A marmita é um presente disfarçado de refeição. Alguém que lhe sabe de cor separa exatamente numa bandeja a porção que você costuma comer.

É um buquê gastronômico, escolher o que se tem nas panelas para florescer o apetite. Antecipar as bocas do fogão um dia antes para que tudo fique encaminhado de manhãzinha. Com voz dormida, acordar cedo para surpreender o desejo de nossa companhia.

Há maior prova de amor do que acertar a quantidade e o jeito de misturar de nossa esposa ou marido?

Trata-se de altíssimo conhecimento de causa montar os andares e distribuir os alimentos em diminuto espaço, a ponto de não faltar e também não sobrar.

Chego a ver a cena: três colheres de arroz, massa ao lado, dois pedaços de carne de panela e a verdurabem no cantinho. Não esquecer o bolinho seco, sem tocar em nenhum molho.

A marmita atesta que o casal se estuda a ponto de se revezar nas tarefas da vida. Se um desiste, o segundo pega a bandeira e puxa o ânimo. São continuações de horários e fôlegos, extensões de uma mesma persistência.

Não expõem frases apaixonadas e derramadas, o “eu te amo” talvez seja raro. Eles se admiram silenciosamente ajudando a dividir o fardo, o cansaço, o estresse, a rotina.

A gentileza é feita da discrição. Quando se declaram, enfatizam a questão profissional:

- Meu marido é trabalhador!

- Minha mulher é batalhadora!

O romantismo está escondido na entrega para sustentar a família. Não se perdem em caprichos, cobranças e demonstrações ostensivas de ternura.

A marmita é mais do que preparar o café e levar numa bandeja para a cama. É preparar um dia inteiro e levar a mesa da cozinha ao trabalho.

O equivalente a avisar, com o guardanapo branco do gesto: você não estará comendo sozinho, estarei sempre ao seu lado.



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Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira, 13/05/2015.

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