terça-feira, 21 de julho de 2015

Banalidades eternas...

(Carpinejar)


Você esqueceu o tamanho de sua vida? Largue o Facebook e sua linha cronológica. Apague o celular e o laptop, desligue-se da virtualidade e das imagens editadas e com filtro.

Vá até a garagem ou o quartinho ou o alto de um armário ou debaixo de sua cama, onde esconde as tralhas de seu passado físico. O passado de papel e de objetos, o passado de fotos, canetas coloridas e medalhas de latão. Tem que enfrentar o trabalho de abrir caixas fechadas, romper a fita adesiva com estilete e lamentar o elástico das pastas estourando.

Mexa nos cadernos da escola, acompanhe a mudança de sua letra, o quanto era caprichada no Ensino Fundamental e ganha contornos de euforia, rebeldia e pressa. Começa emendada e submissa, em seguida vira separada e caixa alta, sem respeitar mais nada, nem pai, nem mãe, muito menos vírgula. Duvido que não se emocione. 

Soltará uma gargalhada de saudade ao reencontrar o rabisco de algum colega no forro da capa dura. Como existia valor naqueles recados de amizade eterna vencendo o nosso tédio nos dois períodos de matemática na segunda-feira de manhã! Ninguém merecia despertar fazendo cálculos. 

Lembrará que já foi muito amado. Lembrará as provas difíceis que enfrentou afixando fórmulas pelas paredes do quarto. Achará guardanapos de bares, figurinhas avulsas de álbuns, letras de canções em inglês traduzidas grosseiramente e sinopses de filmes. 

Observará o mundo em miniatura com atenção extrema, respirando devagar, buscando reconstituir o tempo de suas escolhas e o ineditismo de suas descobertas. Vários rostos dedilhados serão novamente atuais. Concluirá, estranhamente, que nenhuma lembrança morre na data que aconteceu. 

É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, as suas opiniões mudando, os gostos se transformando radicalmente, que nada é definitivo e tudo é eterno.

Não perceberá que está há mais de quatro horas sentado no chão e revirando coisas antigas. Não viu o tempo passar. A gente nunca vê o tempo passar. Mas é ele que nos olha e nos guarda.

***


"É bom testemunhar as suas promessas sendo quebradas, 
as suas opiniões mudando, 
os gostos se transformando radicalmente... 
Nada é definitivo e tudo é eterno."






________________________________
Trechos do texto: "Banalidades Eternas"
Publicado na íntegra no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 4, 21/07/2015, Edição N°18233

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...